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Entrevista: Carlos Seixas (diretor criativo FMM Sines) e vencedor prémio personalidade do Ano


O Mundo inteiro em Sines | O Festival Músicas do Mundo é hoje um dos mais prestigiados festivais de música em Portugal, recebeu 2300 músicos até hoje, de 100 países e regiões autónomas. O seu fundador e diretor criativo foi premiado este ano pela Aporfest como personalidade do ano, mas o festival representa mais que números e feitos. Um trabalho desenvolvido ao longo de 16 anos, que não aprecia categorias ou títulos como o de ‘world music’, considera-os redutores. Celebra-se a cultura como “bagagem imaterial” da humanidade.


Aporfest – Tiago Fortuna (A): De que forma se afirma o FMM como ‘serviço público cultural’?


Carlos Seixas (CS): Através sobretudo da sua programação, que obedece a critérios estritamente artísticos e procura criar uma experiência de conhecimento do outro, das dinâmicas e movimentos humanos no mundo contemporâneo. É um serviço público também pela generosidade do município na forma como o tem financiado, facilitando ao máximo o acesso das pessoas a um evento que as enriquece.


(A): Como se mantém o projeto, promovido pela Câmara Municipal de Sines, como uma referencia a nível nacional durante 16 anos?


(CS): O compromisso com um projeto de qualidade é um dos principais fatores para que isso tenha acontecido. A manutenção deste nível ao longo de tantos anos, que julgo ser o ponto da sua pergunta, tem sido conseguida com a fidelidade a princípios: artistas de qualidade tratados como merecem (isso reflete-se no palco), cenários únicos e uma produção de exceção, uma equipa competente, um público que se formou com o festival e cuja exigência e entusiasmo se tornaram parte do que ele é.


(A): Em que momento passou o festival a ter entradas pagas e porque fez sentido?


(CS): Começou a ter entradas pagas em 2003. É fundamental ter entradas pagas porque a autarquia não tem capacidade para assegurar a organização do festival, com o perfil e a qualidade que se conhece, recorrendo apenas ao seu orçamento, que tem cada vez maiores constrangimentos. Temos de ser cada vez mais eficientes na sensibilização do público para a importância do seu contributo.


(A): Qual é a percentagem de espectadores com bilhete pago e entrada livre?


(CS): A informação mais significativa neste ponto é que mais de metade dos concertos do FMM Sines têm, habitualmente, entrada livre. A sustentabilidade do festival poderá no futuro passar por uma maior componente de bilheteira, mas ainda estamos a analisar a melhor forma de fazê-lo.


(A): E de público a chegar do resto do mundo?

(CS): Temos já um público relevante vindo de Espanha e também espectadores de muitos outros países europeus. Não temos dados recentes mais exatos, mas diria que entre 15 e 20% do público é estrangeiro.


(A): Em que ano começaram a investir no artesanato e na diversidade gastronómica? Que balanço fazem dessa dinâmica?


(CS): Começámos a ter oferta a esse nível desde as primeiras edições. Mas essa é uma área em que temos consciência de haver margem para melhorar, em organização e diversidade da oferta.


(A): Como podem as contratações tornar-se difíceis?


(CS): Algumas contratações são difíceis sobretudo pelos valores e condições contratuais exigidos. Como o FMM é um festival prestigiado no circuito internacional e os artistas mostram vontade de atuar em Sines, conseguimos a maior parte das vezes chegar a acordo com os seus agentes.


(A): A world music está no berço dos inúmeros géneros musicais existentes?


(CS): A “world music” é um conceito redutor se o entendermos como categoria, rótulo ou classificação. E não é certamente um género, porque comporta dentro de si todos os géneros possíveis. Se a encararmos como uma atitude que coloca todas as músicas populares de todas as origens geográficas em pé de igualdade, se estimula uma atenção à forma como as músicas populares de todos os lugares se cruzam entre si e dialogam com a contemporaneidade, aí sim, já me interessa. Para responder mais diretamente à sua questão, tenho, pois, de negar alguns dos seus pressupostos. Se me pergunta se géneros musicais como o rock, o jazz, os blues têm origens que estão fora dos EUA ou da Europa, a resposta é sim, certamente. Por exemplo, a relação dos blues com algumas músicas tradicionais da África Ocidental é amplamente reconhecida.

(A): O FMM resulta anualmente numa forte mensagem de diversidade cultural, damos valor a esta diversidade? E na música?

(CS): A ideia de diversidade cultural não pode ser entendida como uma expressão do discurso politicamente correto. É tão só o reconhecimento do que é o mundo hoje naquilo que tem de mais interessante: a força das migrações, dos cruzamentos, dos encontros de culturas.

Encontramo-la todos os dias. Acompanha os movimentos das populações, as migrações e as diásporas. Exprime-se não só através da cultura deixada para trás como também no encontro com as culturas de acolhimento, enriquecendo assim outros pontos de vista possíveis. É a bagagem imaterial dos exilados, dos expatriados, do nómada que é o homem de hoje. A sua memória viva.

Diversidade é o que é a realidade viva, multicultural de metrópoles como Paris, Londres, Sydney, Hong Kong, Nova Iorque, Lisboa, mas também de pequenas cidades como Sines, muito marcada pela sua identidade portuária. Essa realidade nem sempre passa para o que é a oferta musical dominante, em que acaba por haver algum afunilamento geográfico e estético. Nesse contexto, o que fazemos é desafiar o público a escutar ao vivo uma boa aproximação ao que será o verdadeiro som do mundo, que não é puro, monolítico, monolinguístico, monogénero.

(A): Qual é o feito de que mais se orgulha depois de 16 anos de FMM?

(CS): O de continuarmos ativos e apaixonados pelo que fazemos. De apresentarmos ano após ano artistas esquecidos pela grande indústria da música ao vivo, com eficácia promocional e com proveito concreto para um circuito alternativo. O de provarmos que a boa música está para além da plataforma sonora ocidental, do mundo das playlists e do que falsamente intitulam como “gosto corrente da maioria da população”.


(A): A APORFEST pode trazer benefícios à indústria dos festivais de música em Portugal?

(CS): Claro que sim. Incrementando a sua dinâmica de discussão e pesquisa. Criando conteúdos pioneiros e úteis aos associados, estabelecendo pontes concretas de diálogo e contacto a nível internacional.

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